14/nov Friedman, Sílvia. Gagueira. In. Lopes Filho, Otacílio de C. Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Roca, 1997, escreveu: "Ao aceitar a gagueira rompe-se o círculo vicioso que a sustenta, porque se anula a necessidade de tentar falar bem, isso permite a dissolução das tensões e o desaparecimento dos truques".
Sinto que se não emergi tudo, emergi grande parte do meu iceberg. Preciso pensar o que mais levar pra superfície.
Disfluo muito em minha fala fluente. Isso me causava gagueira porque eu pensava que as disfluências fossem gagueira. Então ligava os alarmes e passada a controlar a fala: gagueira. Quando percebi isso, passei a não mais ligar os alarmes. Sorrio por dentro que não preciso ligar mais nenhum alarme. Parei de gaguejar por causa das minhas disfluências, que ninguém percebe, só eu, mas porque presto atenção na minha fala. Isso é muito bom: grande parte da minha gagueira foi eliminada só com isso.
Outro tanto foi eliminado com um truque: quando gaguejo eu penso: “dane-se...”, e continuo. Outro é que como aceito ser gago, gagos tem que gaguejar. Não quero mais esconder a gagueira. Quero falar abertamente dela. Não quero mais ter vergonha de gaguejar. Como eu poderia ser gago se não gaguejasse? Assim, devo gaguejar. Isso me liberta da pressão de bem falar. Assim minha fala tem fluído, mesmo se gaguejo. Passei a falar a “torta e a direito”.
Sinto que já aceito a gagueira. Tento não mais substituir ou fazer qualquer outro truque. Quando substituo, volto, e enfrento a palavra infeliz. Cara limpa e sem truques!
Agora substituo às avessas: incluso é as palavras com sons enraizados que não consiguia falar.
Falo normalmente pelos corredores que sou gago. Não me escondo mais. Não me calo mais. Falo nos restaurantes, em todo lugar e com qualquer um. Qualquer um mesmo? Existe alguém que tenho vergonha de dizer que sou gago? Ah, tem sim. Mas eles ainda me verão gaguejando e falando de gagueira.
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3 comentários:
A gagueira também nunca foi tabu para mim. Eu me aceito muito bem, sabe cara. Falo do assunto com todo mundo, sou um dos caras mais extrovertidos e populares da minha escola, todo mundo gosta de mim, mas nem por isso minha gagueira aliviou. Continuo gaguejando feito um filho-da-mãe. Sabe... Eu não queria só conselhos sobre como lidar com as consequências emocionais da gagueira, porque com essas eu já sei lidar muito bem. Queria mesmo era uma forma de aliviar a dificuldade de falar, os tiques involuntários, o desconforto físico que acompanha o problema. Você conhece uma forma de suavizar isso?
Rômulo, obrigado por seu comentário. Penso que deve-se tentar parar de controlar a fala, que deve ser espontânea e automática. Abraço.
Mas eu não fico tentando controlar minha fala, cara. Pelo contrário. A gagueira acontece justamente quando essa preocupação de controlar a fala não está presente. Por exemplo, se eu realmente tentar controlar voluntariamente a fala, como ao tentar imitar um sotaque ou falar com inflexões pouco usuais, aí é que a gagueira desaparece. Ou seja, o que de fato acontece quando tento controlar minha fala é justamente o contrário daquilo que você quer propor. Do jeito que você tenta explicar a gagueira, fica parecendo que ela resulta apenas de um excesso de autocobrança por parte da pessoa que gagueja. Acho que não é tão simples assim e esse tipo de visão só contribui para aumentar os estigmas e as idéias equivocadas em torno do distúrbio. Já sofri alguns episódios muito tristes de discriminação e pré-julgamento, e a maioria das pessoas que agiram de forma preconceituosa comigo tinham em mente exatamente esse conceito que você quer apresentar: o de que a gagueira é resultado de um modo errado de pensar da pessoa que gagueja. Não é! Ela é involuntária, cara. INVOLUNTÁRIA! Portanto, não fique dizendo que a gagueira acontece só porque a tememos, porque assim você estará abrindo espaço para um silogismo perigoso, que é o seguinte: a gagueira nasce do medo de gaguejar --> fulano tem gagueira --> logo, fulano é medroso. Pelos momentos extremamente difíceis que já passei na vida por causa da gagueira, posso ser tudo, menos medroso. Portanto, tente ser mais cauteloso ao apregoar as virtudes de seu "infalível" método dialético-histórico, porque a visão da gagueira que emerge dessa abordagem pode dar margem a muito preconceito infundado.
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